quarta-feira, 11 de agosto de 2010

SOBRE A MEDITAÇÃO



O QUE É MEDITAÇÃO?

A meditação é uma aventura rumo ao desconhecido, a maior aventura que a mente humana é capaz de empreender A meditação é simplesmente ser sem fazer nada — nenhuma ação, nenhum pensamento, nenhuma emoção. Você apenas e isso é um grande prazer De onde vem o prazer de não estar fazendo nada? Vem de lugar algum ou de todos os lugares. Não há uma causa, porque a existência é feita de algo chamado alegria.



Testemunhar — o espírito da meditação. Quando você não está fazendo absolutamente nada, física ou mentalmente, quando toda a atividade cessa e você está presente, apenas existindo, chamamos isso de meditação. Não é algo que possa ser feito, nem é possível exercitar-se para isso: basta entender.


Sempre que encontrar um tempo para apenas ser, largue tudo o que estiver fazendo. Pensar, concentrar-se ou contemplar também são fazer algo. Se, por um único momento, você não fizer nada e estiver voltado para dentro de si mesmo, completamente relaxado, isso é meditação. Depois de aprendê-lo, será possível permanecer nesse estado pelo tempo desejado ou até ficar assim durante 24 horas por dia.


Na segunda etapa da meditação, após perceber como o seu ser pode permanecer imperturbável, lentamente você pode começar a fazer algumas coisas, cuidando para que o seu ser não fique agitado. Primeiro, aprenda a só ser, depois aprenda a fazer pequenas coisas, como varrer o chão ou tomar banho, mas mantendo-se centrado. Então você estará pronto para fazer coisas mais complexas.


Ainda que eu esteja falando com você, minha meditação não foi perturbada. Posso continuar falando sem gerar a mínima agitação interior: o meu centro está calmo e silencioso.


 A meditação não é contrária à ação, não requer que você fuja da vida. Ela apenas lhe ensina uma nova maneira de viver, na qual você se torna o centro do ciclone.
A vida continua, porém com mais intensidade, mais alegria, mais visão, mais criatividade, enquanto você permanece indiferente — um observador distante, vendo tudo o que acontece ao seu redor.


Você não é aquele que faz, e sim o observador.


O segredo da meditação é tornar-se o observador. As ações seguem o seu curso: é possível fazer pequenas ou grandes coisas, contanto que você não perca a concentração.


Essa consciência e essa capacidade de observação devem permanecer tranqüilas, imperturbáveis.


No judaísmo existe uma escola de ocultismo dissidente denominada hassidismo. O seu fundador, Baal Shem, era um ser especial. Tinha uma rotina: no meio da noite, era visto voltando do rio. À noite, rio era absolutamente calmo e quieto. Ele costumava ficar lá sentado, sem fazer nada: apenas observando o seu próprio eu, observando observador. Uma noite, quando voltava do rio, Baal Shem passou pela casa de um homem rico e o vigia à porta o notou.


O vigia estava impressionado porque todas as noites, naquela hora exata, Baal Shem voltava do rio, vigia aproximou-se e disse:


— Perdoe-me por interrompê-lo, mas não posso conter a minha curiosidade. Você está me assombrando dia e noite, todos os dias. Qual é o seu propósito? Por que vai até o rio? Muitas vezes o segui e nada acontece: você fica sentado lá durante horas seguidas e volta no meio da noite.


— Sei que você me seguiu muitas vezes — retrucou Baal Shem —, porque a noite é muito silenciosa e ouço os seus passos. Sei também que todos os dias você fica escondido atrás do portão. Assim como você fica curioso quanto a mim, também fico curioso quanto a você. Qual é o seu propósito?


O homem surpreendeu-se.


— Qual o meu propósito? Sou apenas um vigia.


— Meu Deus! — exclamou Baal Shem. — Você me deu a palavra chave. Esse também é o meu propósito!


— Mas não entendo. Nós, vigias, devemos vigiar uma casa ou um palácio. O que você está vigiando lá, sentado na areia?


— Há uma pequena diferença — ressaltou Baal Shem. — Você observa se alguém de fora quer entrar no palácio; eu simplesmente observo esse observador. Quem é esse observador? Este é o trabalho da minha vida inteira: observar a mim mesmo.


— Isso é bem estranho — ponderou o vigia. — Quem é que lhe paga por isso?


— A felicidade é tanta, tamanha é a alegria, é uma bênção tão imensa que o trabalho se paga plenamente — argumentou Baal Shem. — Basta um único momento e todos os tesouros não são nada em comparação com o que tenho.


— Mas que estranho — insistiu o vigia. — Durante toda a minha vida eu tenho sido um observador, mas nunca tive uma experiência tão bonita. Amanhã à noite vou junto, para que me ensine como faz. Já sei observar, então parece que basta mudar a direção, pois você está olhando em outra direção.


Basta um único passo para a direção ou a dimensão certa. Podemos nos concentrar no exterior ou fechar os olhos para ele e deixar que toda a nossa consciência se centre no interior. Você saberá quando isso acontecer porque você é a percepção. Ela nunca foi perdida, mas estava emaranhada com mil e uma coisas. Remova a sua percepção de todos os lugares e, aos poucos, deixe-a descansar dentro de você — então terá chegado em casa.


O núcleo fundamental, o espírito da meditação, é aprender a testemunhar. Um corvo grasna, você escuta. São dois elementos, o objeto e o sujeito. Mas será possível ver a testemunha que observa ambos? Há o corvo, há o ouvinte e há ainda alguém que está vigiando ambos.


É muito simples.


Observar é meditação. O que está sendo observado é irrelevante. Você pode olhar as árvores, o rio ou as nuvens, como também pode olhar as crianças brincando ao seu redor. Observar é meditação. O que se observa o objeto, não vem ao caso.


Lembre-se de uma coisa: meditação significa percepção. Tudo o que é feito de forma perceptiva é meditação. Não importa qual é a ação, e sim a qualidade dessa ação. Caminhar pode ser uma meditação se você caminhar atentamente. Sentar ou ouvir os pássaros pode ser uma meditação se você sentar ou ouvir atentamente. Escutar o ruído interior da sua mente pode ser uma meditação se você estiver atento e observando. Se não se mover como se estivesse dormindo, tudo o que você fizer será meditação.


O primeiro passo para aumentar essa percepção é permanecer muito atento ao seu corpo. Pouco a pouco, você ficará mais atento a cada movimento. À medida que você se torna mais e mais perceptivo, um milagre começa a acontecer: muitas das coisas que costumava fazer deixam de existir. O seu corpo fica mais relaxado e mais harmonizado. Uma paz profunda começa a envolvê-lo e o seu corpo passa a pulsar com uma música sutil.


Comece então a ficar atento aos seus pensamentos. Eles são mais sutis que o corpo e também mais perigosos. Mas, quando se tornar perceptivo em relação a seus pensamentos, se você anotar tudo o que ocorre em qualquer momento, ficará surpreso.


Depois de 10 minutos, leia o que escreveu e verá uma mente insana dentro de você! Por não estarmos perceptivos, toda essa loucura flui como uma corrente oculta, afetando tudo o que fazemos e deixamos de fazer. O somatório final disso tudo será a sua vida, então é preciso mudar essa loucura. O milagre da percepção, contudo, é que basta tornar-se perceptivo — não há nada, além disso.


A própria observação muda tudo. Pouco a pouco, a loucura desaparece e os pensamentos começam a recair num determinado padrão. O caos que produziam deixa de existir e eles entram em harmonia, como um universo. Novamente, uma paz mais profunda prevalece.
Quando o seu corpo e a sua mente estiverem em paz, verá que também estão em harmonia, afinados um com o outro, com uma ponte interligando-os. Já não estão mais seguindo em direções diferentes: pela primeira vez existe uma harmonia que o ajuda imensamente a dar o terceiro passo, o de passar a perceber os seus sentimentos, emoções e humores.


Quando puder perceber esses três aspectos, eles se fundirão em um único fenômeno. E quando todos os três forem apenas um — quando funcionarem em conjunto, perfeitamente —, será possível sentir a sua música, eles serão como uma orquestra. É aí que a quarta etapa acontece. Não é possível fazer nada em relação a ela: acontece por conta própria, é uma dádiva do todo, a recompensa para quem deu os três passos anteriores. O quarto passo é a suprema percepção que produz o despertar. Você passa a perceber sua própria percepção. É isso que cria um buda, alguém que despertou. Somente nesse despertar é possível conhecer a felicidade. O corpo conhece o prazer, a mente conhece a felicidade, o coração conhece a alegria, o quarto passo produz o êxtase. O êxtase é a meta de todos os sannyas, daqueles que buscam, e a percepção é o caminho para ele.


O mais importante é estar constantemente observando, não se esquecer de que está observando.., observando.., observando. Pouco a pouco, conforme o observador vai se firmando, tornando- se mais estável, mais firme, uma transformação acontece. As coisas que ele estava observando desaparecem. Pela primeira vez, o próprio observador torna-se aquele que é observado.

Você chegou em casa.




OSHO. Meditação: a primeira e última liberdade. Rio de Janeiro: Sextante, 2007.

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